Arquivo Pessoal
Com base nas pesquisas sobre os problemas que mais preocupam os brasileiros, até de 23 de setembro, o Diário segue com uma série abordando que temas aguardam os próximos governantes para Santa Maria e região, além do drama das contas públicas do Estado . Neste fim de semana, a segunda reportagem mostra um panorama da segurança.
O doutor em sociologia, membro fundador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e presidente do Instituto Cidade Segura, Marcos Rolim concedeu entrevista onde critica a ausência de políticas de segurança pública na União, nos Estados e nos municípios, apresentando dados e estudos na área, Ele também encampa um recente projeto de lei como sugestão à Assembleia Legislativa propondo a divulgação de um conjunto de indicadores que visem assegurar a transparência das informações em segurança pública.
Confira a Entrevista.
Diário de Santa Maria - Qual é, hoje, o maior gargalo a segurança pública? É uma responsabilidade exclusiva do Estado?
Marcos Rolim - A principal responsabilidade é do Estado, a quem compete diagnosticar corretamente o que está ocorrendo e propor uma política de Segurança Pública racional, com transparência, participação da sociedade civil, indicadores claros e metas de gestão. Uma vez definida essa política, as pessoas seriam mobilizadas em torno dos objetivos definidos. Não se pode alcançar essa colaboração, entretanto, se o Poder Público mantém a postura atual, meramente reativa, centrada no aumento descriterioso do número de prisões, sem foco e sem investimentos em prevenção. O principal gargalo é, por isso, claramente, a ausência de políticas de segurança pública na União, nos Estados e nos municípios.
Diário - Em Santa Maria as ocorrências mais frequentes são de roubos a pedestre e a estabelecimentos comerciais. Já nos pequenos municípios, são ataques a bancos, lotéricas. Ainda assim, os índices de criminalidade de 2018 têm sido menores que 2017.
Rolim - Como sabemos que os índices criminais são menores ou maiores? Atualmente, chega-se a essa conclusão comparando os registros policiais. O problema é que grande parte das vítimas não registra as ocorrências. Os registros podem estar caindo e o crime pode estar aumentando e vice-versa. Registros criminais e tendências criminais são fenômenos independentes. Normalmente, quando as polícias trabalham mais e mais próximas das pessoas, os registros aumentam. Quando a confiança das pessoas nas polícias cai, entretanto, aumentam as taxas de subnotificação. Por isso, em todo o mundo civilizado e há pelo menos 40 anos, não se produz diagnóstico de tendências criminais a partir de boletins de ocorrência, mas a partir de pesquisas de vitimização. Cada tipo de delito demanda iniciativas próprias de prevenção. Em vários casos, é possível reduzir os indicadores com medidas que aumentem os riscos para os delinquentes, que reduzam suas chances de sucesso. Essa estratégia é conhecida como Prevenção do Crime por Projeto Ambiental ( Crime Prevention Through Environmental Design -CPTED) Isso pode ser particularmente eficiente nos chamados "crimes de oportunidade" como furtos e roubos. Para se reduzir a letalidade, o caminho é bem diverso e deve envolver medidas como a redução do número de armas ilegais em circulação. Temos proposto, há muitos anos, que o governo incentive os policiais com um prêmio em dinheiro por arma apreendida. O Instituto Cidade Segura apresentou essa proposta à Prefeitura de Niterói (RJ) que irá implementá-la.
Diário - A polícia alega que a falta de aparelhamento,a falta de efetivo e o controle do sistema prisional são as maiores demandas e uma das principais medidas que os próximos governantes devem investir. Concordas?
Rolim - Um dos temas centrais é, de fato, o sistema prisional. O RS tem hoje cerca de 40 mil presos. Desse total, apenas 3% estão cumprindo pena por homicídio. O que ocorre, efetivamente, é que quase todas as prisões ocorrem não como consequência de investigações policiais, mas em flagrantes presumidos (até 24h após a ocorrência do fato). Prendemos, assim, quase que exclusivamente, jovens pobres envolvidos com drogas. Com eles, superlotamos as prisões, o que não afeta em nada o negócio do tráfico (cuja mão de obra é facilmente reposta), mas afeta a Segurança porque, nos presídios, esses jovens serão organizados em facções criminais. Quando saírem de lá, estarão aptos a praticar crimes mais graves do que vender substâncias ilegais. Os que resistem a esse processo e procuram emprego depois que saem da prisão encontram todas as portas fechadas por conta do estigma social contra os egressos do sistema. Isso funciona contra os interesses da sociedade que termina empurrando essas pessoas de volta para estratégias ilegais de sobrevivência. Por isso, ao prendermos mais. produzimos mais crimes e não menos. Par reverter esse quadro, é preciso prender as pessoas que são efetivamente perigosas, os matadores e os criminosos sexuais, por exemplo; o que exige que a polícia tenha foco em sua ação e não consuma todo o seu tempo e seus pequenos recursos na "guerra contra as drogas".
Diário - Que medidas podem ser tomadas para fortalecer a segurança - que tratada com um sistema - envolve Justiça, diversas questões sociais, de saúde e educação?
Rolim - O começo de tudo é compreender que uma política de segurança pública deve ser concebida como uma política de Estado que deve envolver um plano racional que envolva todas as áreas e não apenas as polícias. Há iniciativas muito importantes a serem tomadas quanto à educação das crianças, na família e na escola, quanto à saúde pública, ao esporte, à iluminação pública, etc. Cada uma dessas "pontas" deve estar articulada por uma política de segurança.
Diário - Muito se defende que a violência e da insegurança pode ser amenizado moderando ações de repressão, e investindo em prevenção, correto?
Rolim - Os exemplos são muitos. Para trabalhar com profissionalismo no patrulhamento, por exemplo, é preciso saber, exatamente, quais as áreas que concentram as ocorrências, quais os dias da semana, os horários, etc. Todas as ocorrências criminais deveriam ser georreferenciadas, como ocorre já em outros estados brasileiros há muito tempo. Nesse sistema, com o auxílio de softwares, é possível visualizar no mapa da cidade os chamados "hot spots" (pontos quentes) que concentram as ocorrências, com dados sobre os dias e os horários. Com isso, podemos definir criteriosamente os locais de patrulhamento com viaturas, o que promove uma redução impressionante no número de ocorrências. Propusemos isso em Pelotas, para a prefeita Paula Mascarenhas, o que foi implementado. O resultado foi que os roubos de rua despencaram. Esse é um exemplo de prevenção com a polícia, mas há centenas de iniciativas possíveis na área da prevenção social como, por exemplo, a redução da evasão escolar. Estudei em meu doutorado a dinâmica que conduz um jovem a se transformar em um matador. Os resultados estão descritos no livro "A Formação de Jovens Violentos, estudo sobre a etiologia da violência extrema" (Appris, 2016). Nesse trabalho, ficou evidenciado que a evasão escolar está no início do processo que leva um jovem a se vincular ao tráfico de drogas. Uma política que mantenha os jovens mais tempo na escola terá um efeito muito positivo na redução da violência, mas, no Brasil, poucas pessoas estão dispostas a prestar atenção nisso.
Diário - De que forma as políticas de segurança pública podem impactar na liberdade e dignidade das pessoas no cotidiano das cidades?
Rolim - A violência disseminada e o medo decorrente depreciam largamente a qualidade de vida nas nossas cidades. As decorrências desse processo são muito amplas e afetam fortemente as atividades econômicas, espantando investimentos e aumentando o desemprego. A tendência, diante da incapacidade do Estado, é que as pessoas busquem soluções privadas para os problemas de segurança, o que tende a agravar ainda mais a realidade já pronunciada de apartheid social que vemos por todo o canto. Nesse brecha, teremos em breve no RS a formação de milícias, como ocorre no RJ já há alguns anos, e a própria atuação das facções criminais oferecendo serviços na área da segurança pública para proteção de comunidades específicas; o que nos colocará diante de impasses ainda maiores. É preciso repensar o que tem sido feito na área da Segurança. Vários estados brasileiros já se deram conta de que é preciso mudar a forma como a Segurança tem sido pensada e há importantes iniciativas no RJ, em SP, MG, ES, PE entre outros estados que começam a romper com a tradição. No RS, ao que tudo indica, seguimos pedindo mais do mesmo.
Diário - Tu encampas projeto-sugestão da Lei da Transparência na Segurança Pública. O que propõe?
Rolim - O Instituto Cidade Segura apresentou um projeto de lei como sugestão à Assembleia Legislativa propondo a divulgação de um conjunto de dados e indicadores em Segurança Pública no RS, de tal forma a assegurar a transparência das informações na área. O RS é um dos estados menos transparentes na Segurança. Tudo é tratado a partir do sigilo, quanto sabemos que, desde a Lei de Acesso à Informação, a regra é a publicidade, sendo o sigilo a exceção. Por óbvio que determinadas informações - especialmente quando tratamos de investigação - devem ser sigilosas, mas é preciso que a sociedade tenha acesso a todas as informações que são públicas por sua natureza, como as ocorrências registradas (sem os nomes das pessoas, mas com os dados pertinentes), as prisões efetuadas, o tipo penal envolvido, a unidade responsável, o número de policiais feridos ou mortos, entre tantas outras. Mais, é preciso que esses dados sejam disponibilizados no formato de dados abertos, de tal forma que seja possível baixar os dados e cruzá-los com outros bancos. Isso irá permitir a pesquisa e a produção de conhecimento e também condições elementares para a gestão com eficiência, o que irá repercutir em todo o estado.